Conseguimos nossa primeira entrevista e ela é nada mais nada menos do que com Alexandre Callari. Para quem não conhece Alexandre é professor e autor do primeiro livro nacional sobre zumbis, o “Apocalipse Zumbi” e também do livro “Quadrinhos no Cinema”, além de apresentador do programa “Pipoca e Nanquim” na TV Uniara onde faz o que gosto, falar de cinema e quadrinhos e claro tradutor, com seu trabalho mais recente foi a tradução do romance inédito no Brasil de Robert Howard, Conan, O Bárbaro.
IOT:Como você se tornou um tradutor?
Alexandre: Sou formado em Letras e trabalhei anos dando aulas de inglês. Já havia feito alguns poucos trabalhos sob encomenda para empresas, mas foi só em 2010 que comecei a procurar editoras e oferecer meus serviços como tradutor. Eventualmente a Editora Gente (que é uma editora de grande porte) resolveu me dar uma chance. A partir de então passei a prestar serviços para diversas empresas.
IOT:Você usa alguma ferramenta de tradução?
Alexandre: Não.
IOT:Qual é sua área de atuação na tradução? Você tem alguma preferência?
Alexandre: Quase todos os livros que traduzi são de gestão e tecnologia, porém fiz trabalhos na área de economia, música e filosofia.
IOT:Qual foi a tradução mais complicada que você já fez?
Alexandre: Um livro técnico de Programação foi bastante difícil, pois eu desconhecia absolutamente todos os termos usados. É muito difícil fazer algo coerente quando você não consegue entender o que autor está dizendo. Um manual sobre música também foi trabalhoso, por que apesar de ter sido músico em minha juventude, tive que reaprender toda a terminologia, que é diferente no inglês. E o Conan foi um desafio, por ter sido meu primeiro romance e por ter que trabalhar o texto de um monstro da literatura, que é Robert Howard.
IOT: Já chegou a se arrepender de algo que traduziu de um jeito e achou que podia ter sido de outro?
Alexandre: Não, mas me arrependi de outra coisa. No começo deste ano, fui procurado por uma editora para traduzir um livro de gestão. O que acontece é que eles iam lançar este livro em parceria com uma empresa, por que a empresa estava trazendo o autor para o Brasil. Assim, me deram um prazo de 1 mês para traduzir um livro de quase 400 páginas. Isso é irreal e, obviamente, por melhor que você seja, haverá problemas. Eu me matei para cumprir o prazo e enviei para avaliação a tradução. As pessoas da empresa não gostaram do resultado, dizendo que deixava a desejar. Foi a primeira vez que escutei uma crítica a um texto meu e quis justificar reclamando do prazo, mas então percebi que não podia, afinal, fui eu quem aceitou aquele prazo em primeira instância – mesmo sabendo que ele era irreal. Aprendi que nunca mais na vida posso concordar com um prazo que irá comprometer a integridade do trabalho.
IOT: Você também é escritor, no Brasil, já tivermos vários autores que foram tradutores, você acha que uma coisa pode ajudar na outra? E qual a diferença de sentimentos entre ver depois de publicado uma tradução e o livro?
Alexandre: Acho que o tradutor precisa ser, de certo modo, escritor – caso ele lide com livros, claro. Essa urgência diminui quando se trata de manuais, documentos técnicos, etc, mas eu entendo a função do tradutor como visualizar a maneira exata com que determinado escritor teria redigido sua obra, caso falasse a nossa língua. Para tanto, temos que estudar o discurso dele, os termos usados, aliterações, adjetivos, etc. Manter a argumentação próxima do original é um verdadeiro desafio. Quanto à segunda parte da pergunta, tenho orgulho de meus livros por eles serem meus, uma expressão de quem eu sou. Os trabalhos de tradução, com exceção do Conan que foi um trabalho apaixonado – não passam de serviços que presto. Não nutro carinho por eles.
IOT: Como foi para você como fã trabalhar na tradução do Conan?
Alexandre: Um sonho realizado. Eu levei a proposta para a editora e fiquei surpreso quando ela concordou. Mas foi um trabalho absolutamente difícil, pois Howard escrevia muito bem, usava termos arcaicos com frequência e, além de tudo, tinha vícios de linguagem que funcionam no inglês, mas ficam chatos na língua portuguesa. Tive que lidar com bastante pressão por causa dessa obra, isso sem contar um revisor que quase colocou tudo a perder. Felizmente, eu tive acesso ao texto final e pude corrigir todas as burradas que a revisão teria feito.
IOT: É mais fácil de traduzir quando você é fã ou a tem uma cobrança pessoal muito maior, justamente por ser fã?
Alexandre: Eu queria o melhor trabalho possível por causa do amor que tenho pelo personagem. Em vários momentos, sentia-me feliz ao pensar: ainda bem que sou eu quem está fazendo isso, pois por causa dessa paixão, sei que poucas pessoas teriam feito com tamanha dedicação.
IOT: Você já traduziu algum tipo de quadrinhos?
Alexandre: Não, mas adoraria, apesar de certamente pagar menos.
IOT: Tem algum personagem especifico que você gostaria de traduzir?
Alexandre: Não.
IOT: Como você avalia o nível das traduções brasileiras de quadrinhos nos dias de hoje? Evoluiu muito nos últimos anos na sua opinião?
Alexandre: Eu acho que houve uma mudança de perspectiva geral. Antigamente, nomes dos personagens eram traduzidos, gírias adaptadas, e mudanças sutis no texto feitas, como por exemplo, troca do nome de lojas para outros mais condizentes com a realidade brasileira. A Internet e o acesso global que as pessoas têm hoje em dia, quebrou com tudo isso. Hoje procura-se preservar muito mais as intenções do texto original em detrimento a essa obsessão por adaptar à nossa realidade.
IOT: Tem alguma tradução nos quadrinhos que você teria feito diferente?
Alexandre: Sim. A edição absoluta do Watchmen é uma vergonha. Como aquilo pode ser absoluto e ainda assim ter uma tradução inferior à versão da Abril de 20 anos atrás?
IOT: Gostaria de agradecer pelo tempo que você disponibilizou e por compartilhar suas experiências, muito obrigado.
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